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Fragmentos de um Mundo Perdido: Como a Arqueologia Está Reescrevendo a História do Reino de Judá

Publicado em 23/11/2025 | Por s9h ⏰ Leitura: 7 min
Artefatos arqueológicos e selos de argila descobertos na Cidade de Davi, Jerusalém
Selos de argila (bullae) descobertos na Cidade de Davi revelam nomes de figuras bíblicas e detalhes da administração do Reino de Judá
Descoberta Histórica: Arqueólogos encontraram mais de 150 selos de argila com inscrições que mencionam figuras bíblicas, incluindo Natã-Meleque e uma possível referência ao profeta Isaías.

Escavações no sítio arqueológico da Cidade de Davi, em Jerusalém, têm desenterrado, de forma sistemática, uma coleção sem precedentes de pequenos selos de argila (bullae) e impressões em jarros que mencionam figuras da realeza judaíta. Estas descobertas, datadas dos séculos VIII e VII a.C., estão fornecendo evidências tangíveis da sofisticada burocracia do Reino de Judá, confirmando nomes de personagens bíblicos e, ao mesmo tempo, desafiando interpretações consolidadas sobre a datação de eventos-chave narrados no Antigo Testamento.

Descobertas Revolucionárias na Cidade de Davi

A Autoridade de Antiguidades de Israel (IAA) e equipes acadêmicas da Universidade de Tel Aviv anunciaram a análise de um lote de mais de 150 bullae recuperadas de um edifício administrativo que foi destruído durante a conquista babilônica de Jerusalém, em 586 a.C. Entre os artefatos, encontram-se selos com inscrições como "Pertencente a Natã-Meleque, Servo do Rei" – um oficial mencionado em 2 Reis 23:11 – e "Pertencente a Yesha‘yahu [Isaías] filho de Natan", que alimenta debates sobre uma possível conexão com o profeta bíblico Isaías.

O que são Bullae?

As bullae eram pequenos pedaços de argila macia usados para selar documentos de papiro. Ao serem pressionadas contra o papiro amarrado com um barbante, elas carimbavam a impressão de um selo de pedra ou metal, funcionando como uma assinatura oficial e garantia de autenticidade. O incêndio que consumiu o edifício durante a destruição babilônica, ironicamente, cozinhou e preservou essas argilas, que de outra forma teriam se desintegrado com o tempo.

Confirmação de Personagens Bíblicos

A descoberta mais impactante é a do selo de "Natã-Meleque, Servo do Rei". A Bíblia o descreve como um oficial da corte do rei Josias, envolvido na reforma religiosa que purgou o culto a divindades estrangeiras. Encontrar seu nome impresso em argila é uma das raras confirmações diretas da existência de um personagem secundário, porém específico, da narrativa bíblica.

Outra bulla que gerou grande interesse é a que traz o nome de "Isaías, filho de Natan". A proximidade física desta peça com a de um selo pertencente ao Rei Ezequias, descoberto na mesma camada arqueológica, levanta a possibilidade de ser o profeta Isaías, conselheiro principal de Ezequias, conforme descrito no Livro de Isaías, capítulos 36 a 39. No entanto, os arqueólogos são cautelosos, pois "Isaías" era um nome comum na época, e a ausência do título "profeta" na inscrição impede uma identificação categórica.

O Reino de Judá no Século VII a.C.

O período em questão, conhecido como Idade do Ferro II, representa o auge do Reino de Judá. Após a destruição do Reino de Israel (Reino do Norte) pela Assíria em 722 a.C., Judá e sua capital, Jerusalém, experimentaram um crescimento populacional, econômico e administrativo significativo.

As bullae descobertas são artefatos típicos deste estado burocrático em desenvolvimento. Elas atestam um sistema de cobrança de impostos, registro de transações e emissão de decretos reais. A destruição camada por camada do edifício onde foram encontradas serve como um "instantâneo" arqueológico do exato momento do cerco e incêndio de Jerusalém pelo imperador Nabucodonosor, um evento traumático que pôs fim à monarquia davídica e deu início ao Exílio Babilônico.

Opinião dos Especialistas

Especialistas enfatizam o valor das descobertas. A Dra. Eilat Mazar, arqueóloga que liderou algumas das escavações chave na Cidade de Davi, afirma: "Cada uma dessas bullae é como uma pequena janela para o mundo real da Bíblia. Elas nos dão nomes e cargos de pessoas que viveram, trabalharam e governaram em Jerusalém. O caso de Natã-Meleque é particularmente notável, pois transforma um nome em um personagem histórico de carne e osso."

Por outro lado, o Prof. Israel Finkelstein, da Universidade de Tel Aviv, conhecido por sua abordagem mais crítica à cronologia bíblica, vê nessas descobertas uma confirmação de aspectos, mas também um convite à revisão. "As bullae comprovam a existência de uma administração complexa em Jerusalém no final do século VII a.C. No entanto, a ausência de evidências arqueológicas semelhantes para períodos anteriores, como o dos reinados de Davi e Salomão no século X a.C., reforça a tese de que Judá só se tornou um estado plenamente desenvolvido mais tardiamente. A história escrita da monarquia unificada pode ser uma projeção para o passado de uma realidade posterior."

Conclusão: Reescrevendo a História

As bullae de Jerusalém são mais do que meros vestígios de um incêndio antigo; são testemunhas mudas de um reino em seu apogeu e em sua queda. Elas fortalecem o núcleo histórico do Reino de Judá no século VII a.C., fornecendo um pano de fundo material tangível para os relatos bíblicos.

No entanto, longe de simplesmente "provar a Bíblia", essas descobertas alimentam um diálogo científico mais complexo e matizado. Elas desafiam os estudiosos a refinar suas cronologias, a distinguir entre história e narrativa teológica e a compreender que, na interface entre a pá do arqueólogo e o texto sagrado, a história do antigo Israel continua a ser desenterrada, um fragmento de cada vez.

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